Lições sobre o vento e as ondas

Há algum tempo, um mestre contou que as mães-águia fazem seus ninhos em picos muito altos nas montanhas, tendo abaixo somente o abismo e o vento.

Então, o propósito da mãe-águia é alimentar e ensinar o filhote a descobrir suas asas – assim compreenderá o privilégio de nascer águia.

O primeiro vôo do filhote pode ser fatal. 

E lançá-lo ao vento é seu ato supremo de amor e confiança.

A centenas de quilômetros por hora, uma cápsula pressurizada de metal cruza a estratosfera para entregar, em apenas algumas horas, centenas de pessoas em terras onde antigamente tardavam meses a chegar pelos mares.

Voar no pássaro de ferro é uma aventura e tanto, apesar de hoje ser tão um tanto banal quanto um passeio no shopping – e até parece, pois se vende de tudo ali… 

Poucos seres fazem migrações tão longas e são necessárias muitas paradas durante o caminho, mas a cápsula de metal chega direto e rápido. 

Porque viajar tão longe? 

O que há neste “velho”continente que tanto encanta o bicho humano? 

O que buscam aí, a acreditar que a vida terá mais conforto que em suas terras?

A passarinha aterrizou em Madrid, se acomodou e, em alegria tímida, deixou-se levar nas ruas de outono pela brisa fresca, a dançar entre as folhas verde-amarela-bordô – uma delícia para todos os sentidos! Entre muitas árvores em parques ou nas calles, está uma capital de discreta realeza, sofisticada e ordenada, com palácios barrocos, museus e teatros de grande beleza. 

Do jeito que o bicho humano gosta!

Pátio central do Palácio Real
Palácio Real visto dos jardins
Ermita de San Antonio la Florida – pintura de Francisco de Goya
Miguel de Cervantes – Plaza de España
Teto do Salão do Trono do Palácio Real de Madrid

Nos primeiros dias, coração em euforia.

Tantas coisas vistas e a ver, tantas línguas e sotaques ao seu redor.  

A passarinha se entrega ao fluir dos acontecimentos, centenas e centenas de anos em cada pedaço de urbanidade transbordando memórias, sabores e vida de todos os continentes. 

Babilônia com calles cheias de gente a manifestar modas em roupas e penteados, a nutrir o mundo das aparências e consumir ainda mais na época de fim de ano… 

Ouvira muitas histórias da pombinha vó e nos livros sobre as obras de arte que estão nas ruas, museus e monumentos – trabalhos de artistas que se expressaram ao longo dos séculos a pintar sua forma de ver seu mundo e seu Deus… Caravaggio, Picasso, Dali, Velázquez, Van Gogh, o Jardim das Delícias Terrenas, de Bosch, que honra por fim vê-los ao vivo! Como é gostoso testemunhar a delicadeza firme de cada pincelada, a escolha das cores que (re)criam a luz impressionista, se conectar pessoalmente com a vibração secular desses grandes mestres.

Claude Monet
Cena de outono
Renoir
Claude Monet
Van Gogh
Renoir
A Guernica, de Picasso, expõe os horrores da Guerra Civil Espanhola. As pessoas veneram o conteúdo da arte ou sua forma/nome?

Enquanto o espetáculo madrileño distribuía infinitas novas informações aos sentidos, o vento interior soprou até formar ondas na mente da passarinha que 

pensa 

pensa 

pensa, 

um misto de emoções a subir e baixar sua energia como a maré. 

Quando piscou os olhos, seu céu estava nublado e pediu ajuda à sua prima andorinha, que lhe soprou no ouvido: 

“Que tal se dar uma chance para observar esta energia oscilante, do jeito que é? 

Porque não julgamos o mar, mas nos julgamos tanto? 

As ondas vem e vão, mas o mar segue ali…” 

Dali – A memória da mulher-menina

Quando a neblina esconde seus horizontes, 

quem você é? 

a onda ou o mar?

Assim começa a nova jornada da passarinha, tonificando as asas enquanto observa a infinita diversidade de formas que a Mãe Natureza cria dentro e fora de si.